domingo, 18 de maio de 2008

Será realidade?

música: Dreaming - Café del Mar

Não sei se é realidade ou estarei só a sonhar. Terei ido mergulhar a Sesimbra? Ou simplesmente fiquei toda a manhã a dormir?
A beleza com que os meus olhos foram presenteados deixa-me na dúvida. Terei visto magníficas estrelas do mar vermelhas a conversar com cabozes laranja?




Terei mesmo visto uma dessas estrelas colocar-se de pé e perguntar-me porquê que fazia tantas bolhinhas.

Neste momento, aqui acordado sinto-me embalado nos braços do mar, poderá ser verdade? Ou continuo a sonhar?



Sinto-me tentado a acompanhar uma destas estrelas numa dança imponderável, liberto das grilhetas da gravidade, solto das amarras da razão, livre do ruído e da sujidade da superfície.

No entanto interrogo-me: Será realidade toda esta erupção de emoções que me percorrem o corpo? Esta tremenda felicidade que me invade o espírito terá um fundamento real?


Encontrei ancoras que outrora prenderam navios e que hoje são elas prisioneiras de corais, algas e espirógrafos. Podem ter perdido a utilidade para que foram concebidas, mas hoje têm um maior desígnio: acolher e proteger a vida de singelas e sensíveis criaturas.

Será que as ancoras também sonham? Será que sonham em tornarem-se o alicerce de um grande banco de coral? Ou sonharam em voltar a serem carcereiras de um qualquer navio?


E o frágil e belo espirógrafo raiado que dela fez casa, será que também ele tem sonhos? Serei o único que sonha? Será que estou a sonhar que o espirógrafo também sonha?

Terei mesmo contemplado os seus esguios tentáculos? Ou será que tudo não é mais que o fruto de uma imaginação adormecida?


E no entanto vejo-o a oscilar os seus braços num balet que envergonharia o próprio Baryshnikov.

- É verdade que tu sonhas? - perguntei-lhe.
- Claro que sim! Por exemplo agora estou a sonhar que um humano está a falar comigo.
- Como é isso possível? Eu estou mesmo aqui a falar contigo.
- Tens a certeza? Não estarás tu também a sonhar?


Perplexo, perguntei a um cardume de sargos que passava por ali se era verdade que tudo aquilo não passava de um sonho.

Eles responderam-me que talvez sim, eles próprios sentiam uma profunda paz. Mas disseram-me para não ficar triste pois o sonho faz parte da vida e é tão real como ela. O sonho não é mais do que atravessarmos a fronteira de um mundo para o outro, da dura realidade para o suave entorpecimento da razão.

E depois nunca se saberá bem quando estamos acordados ou quando sonhamos.


Terão sido miragens oníricas as belas gorgónias roxas, que embalavam os seus braços suavemente com a corrente, como se estivessem bailando?

Que interessa isso. A verdade é que desfrutei dos mais belos momentos que alguma vez vivi, quer em sonhos, quer na realidade. Adormeci ou acordei, não interessa, só interessa a profunda paz em que me sinto mergulhado.

Se calhar sou uma gorgónia a sonhar que sou um homem que sonha.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Diário de um Caboz Laranja com a cabeça preta

música: Make it Happen - Gary B

Hoje resolvi afastar-me das rochas e aventurar-me pelos fundos de areia. É estranho como é que outros peixes se aventuram a viver aqui, sem esconderijos, sem um lugar onde nos refugiarmos caso nos achem com bom aspecto para refeição.

Mas afinal é sempre possível encontrar onde nos escondermos. Vi um caranguejo usar uma cenoura do mar como abrigo, quase não o via se ele não me tem chamado, acho que não o teria visto.

Mal me afastei logo dou de caras com um choco que teve a amabilidade de se mostrar mudando a cor. Pregou-me cá um susto, ali estava eu a nadar sobre a areia e de repente esta muda de cor e vejo surgir uns tentáculos ameaçadores! Felizmente ele estava apenas a brincar divertido por ver um caboz laranja de cabeça preta a andar por ali. Perguntou-me o que fazia tão longe de casa e eu disse-lhe que queria conhecer outros mundos.

Ele levou-me então numa fantástica visita a sítios que eu pensava não puderem existir e foi-me explicando tudo o sobre cada um deles.

Em primeiro lugar visitamos um Xarroco que vivia entocado numa pedra coberta de limos. Bolas ele é mesmo estranho com aquela boca tão grande. O choco riu-se - Então e eu que tenho os pés na cabeça? -Mas tu não tens uma boca ameaçadoramente grande -retorqui-lhe envergonhado.
- Achas-me ameaçador? Então é porque nunca vistes aqueles bichos com 2 caudas e que andam normalmente lá na superfície. - Ralhou-me o Xarroco.
- Quais? Aqueles que soltam bolhas de ar?
- Esses até nem são maus de todo, apenas um pouco desastrados e mais feios do que eu, esses vêm cá abaixo porque gostam de aqui estar. Sabes que sinto pena deles, pois tenho a certeza que eles queriam ser peixes como nós.


- Deves estar a brincar - interveio o choco - ainda no outro dia o meu primo foi arpoado por um deles.
- Não! Esses são outros, não fazem bolhas e têm um tentáculo comprido ou algo assim, esses vêm cá para nos comer, os das bolhinhas são nossos amigos, só chateiam é quando vêm com umas coisas que dão um relâmpago, que não faço a mínima ideia para que servem.
Contei-lhes que já tinha visto desses, das bolhinhas, e que até os tinha achado simpáticos, tirando lá aquela coisa do relâmpago. Perguntei-lhes de onde eles vinham e disseram-me que vinham lá de cima de onde vem a luz.

Achei que devia ser maravilhoso viver lá na claridade absoluta, entretanto o caranguejo, que se tinha aproximado para ouvir a conversa disse-me que me levava para me mostrar, pois ele vai lá muitas vezes.

No caminho fomos conversando.
- Nem sabes como te invejo - disse-lhe.
- Olha que nem tudo é bom, para começar esses bichos de quem vocês falam, sujam tudo acham-se os reis e senhores e têm destruido tudo, apesar de alguns deles tentarem defender o mundo, a maior parte só se sente bem a destruir. Olha são bem piores que os Tubarões, esses só matam para comer. Os Homens, que é o nome desses bichos, destroem para ganhar uns papeis e uns discos de metal que guardam como uma relíquia, chamam dinheiro e até parece que é daquilo que se alimentam.

Quando voltei vinha muito triste, vi chaminés a libertarem fumo preto, árvores a serem arrancadas, percebi finalmente de onde vinha aquela porcaria toda que nos tem invadido. O mundo da superfície é muito belo, o caranguejo não me deixou regressar sem ver o pôr-do-sol que é um espectáculo deslumbrante, mas os Homens têm estado a destrui-lo erigindo estranhas formações de coral ligadas por tapetes de pedras que eles atravessam numa correria desenfreada, umas vezes a pé outras dentro de umas caixas metálicas com umas rodas pretas e que para além de fazerem uma grande barulheira também deitam um fumo malcheiroso, para ganharem aqueles papeis e discos de metal, não parando para ver o que ainda de belo lhes resta.

Talvez seja esse o problema deles, como não têm tempo para ver o que é belo, não se importam de o destruir. Porque será que se portam assim? Pensei que fosse da gravidade, que é uma coisa que não sentimos cá debaixo de água e que os cola ao chão, mas o caranguejo disse-me que em terra havia outros animais e que nenhum era como o Homem. Acho que a culpa é mesmo daqueles papeis e discos de metal, não percebo porquê que eles são capazes até de se matarem uns aos outros por causa daquilo.

domingo, 4 de maio de 2008

Precious

Música: Precious - Depeche Mode

O que é precioso é frágil e muitas vezes invisível para aqueles que têm pressa, cuja vida é constantemente regida pelo relógio, para aqueles que vêem o mundo por entre os ponteiros.

Por vezes é necessário deixarmos o relógio na mesa de cabeceira e olharmos para o que nos rodeia calmamente. Só assim é possível apreciarmos a vida, vivermos e não sermos apenas mais uma peça de um qualquer relógio.


Preciosos são também todos os segundos que passo debaixo de água, todas as imagens que aí passam pela minha retina, gostava de guardá-las todas e poder mostrá-las ao mundo, de poder revivê-las vezes sem conta. A graciosidade de um Caboz laranja e de cabeça preta, o aspecto floral de um Espirógrafo ondulando com a corrente como se tratasse de um girassol açoitado pelo vento por entre a poeira que se eleva em espirais.

Dou por mim sonhando sentir-me na imponderabilidade submarina, contemplando a preciosa delicadeza daquele Espirógrafo. O Caboz laranja com a cabeça preta pergunta-lhe se sabe que ser estranho que liberta umas bolhas de ar e carrega estranhos objectos às costas é aquele que está ali a observá-los. Ele responde que é um daqueles que vivem à superfície olhando para umas coisas esquisitas com uns ponteiros que transportam nos pulsos.


Fiquem Bem, no Lado Escuro da Lua!